quinta-feira, 17 de junho de 2010

Times Old Roman

Quer que o diga, não digo,
O teu nome já não brilha
Não o digo, sob as cinzas
De janeiro muito antigos,
Mal respira, nos escombros
Desse breve apartamento,
O teu nome, quem diria,
Não é coisa que se diga,
Som de um som que
Se partira, não insista,
Já não tento, já não posso,
É simples o que te digo
E te digo sem remorso,
Calmamente, sim, repito,
Não o digo, não o digo,
Nenhuma pedra se move,
Rio seco,
Letra morta.

Poema de Eucanaã Ferraz, publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", Ilustríssima, pág. 8 em 13/06/2010

E um curso d'água



Outra vez o velho jardim
e seus leões de pedra, dois,
como se, um defronte do outro,
valessem não a fonte, mas
o tempo, tempo que não quele
em que os vi, que não esse
agora em que os escrevo,
antes ainda do tempo-oficina
em que mãos hábeis a golpes
os esculpira, mas outros, anterior
aos reis de França e ao galho
mais alto de seus antepassados:
tempo de leões apenas;
ou, mais pretérita, uma era
anterior aos felinos, quando
tudo fosse água e aves
à luz da primeira primavera:
o tempo daquelas pedras,
apenas pedras.



Poema de Eucanaã Ferraz, publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", Ilustríssima, pág. 8 em 13/06/2010

Dize-me o que perguntas, dir-te-ei quem és!

Shakespeare faz um resumo estonteante: “Quando eu me pergunto quem sou eu, sou o que pergunta ou o que não sabe a resposta?”
E, no entanto, caro leitor. A maior e a mais arriscada pergunta que podemos fazer e que, de fato, fazemos a todo momento uns aos outros, é a que Cole Porter, produz na música In the still of the night, quando indaga: Do you Love me, as I Love you? (Você me ama tanto quanto eu te amo?). Acreditar ou não numa resposta perfeita a essa questão; ter coragem de fazê-la; viver sem uma resposta é – eu não tenho a menor dúvida – o que nos torna perfeitamente humanos.

Trecho do texto "A Coluna em Questões" de Roberto Damatta, publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" - Carderno2, pág.D10 em 18/06/2010

Amigo Íntimo


Trecho do texto de Ubiratan Brasil que fala sobre as amizades de Fernando Pessoa, poeta lisboeta.
Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo" e, 13/06/2010


Amigo íntimo. Pessoa era um homem reservado, misterioso até. E, mesmo quando confessava isso em sua escrita, pouco revelava: “Não tenho amigos verdadeiramente íntimos, e mesmo que houvesse um amigo íntimo, como o mundo o entende, ainda assim não seria íntimo no sentido em que eu entendo a intimidade.
Um amigo íntimo é um dos meus ideais, um dos meus sonhos, mas um amigo íntimo é algo que nunca terei. Nenhum temperamento se adapta ao meu; não há um caráter neste mundo que dê o mais leve indício de se aproximar do que eu sonho num amigo íntimo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O futebol que eu e Pelé jogamos já não existe mais!


Trecho da entrevista com Ex-capitão da seleção alemã - Franz Beckenbauer publicada no jornal "O Estado de S. Paulo" de 06/06/2010


Dunga é criticado exatamente por ter criado uma seleção à sua imagem. Qual a percepção do senhor sobre a forma de atuar do Brasil?
É verdade que ele é questionado. Quando o mundo pensa sobre o futebol brasileiro, a imagem ainda que se tem é de Pelé, Rivellino e uma seleção fantástica. Mas vamos ser honestos de uma vez por todas e deixar as coisas bem claras. O futebol que eu e Pelé jogávamos já não existe mais. Não podemos ter mais ilusões. O que nós jogávamos existe apenas no passado. Não é bom ou ruim. É apenas a realidade. Aquele futebol brasileiro que ainda falamos e a forma, por exemplo, em que eu atuava é o futebol de 40 anos atrás e acabou.

Qual é a diferença entre o futebol que o senhor jogava e o que Lúcio, Cannavaro ou Pirto jogam hoje?
Há 40 anos, quando entrávamos em campo, apenas pensávamos em uma coisa. Como levar a bola até a linha do gol adversário pela forma mais curta possível. Essa era, a essência, a tática. Portanto, tínhamos muita liberdade e o talento de cada jogador aparecida como a principal arma de um time. Hoje, a tática ganho. A bola passa de pé e pé várias vezes e de um lado para o outro para que se avance. E o que eu tenho percebido é que todos jogam assim. Essa Copa será marcada pela falta de uma surpresa no sentido tático. O futebol se globalizou e, com isso, observamos uma harmonização da maneira de atuar das seleções Essa será uma Copa em que todos atuarão com a tática predominando. Talvez seja a primeira em que teremos todas as 32 seleções agindo de forma quase igual.

epitáfio escrito por Carlos Heitor Cony para “ Mila”, o seu animal de estimação


Essa é uma prática textual hoje rara nos jornais brasileiros, com exceção da Folha de S. Paulo, que diariamente publica suelto ao lado dos editoriais. De vez em quando, aparecem textos que podem figurar entre as melhores páginas da literatura, a exemplo do epitáfio escrito por Carlos Heitor Cony para “ Mila”, o seu animal de estimação:


Era pouco maior do que minha mão: por isso eu precisei das duas para segurá-la, 13 anos atrás. E, como eu não tinha muito jeito, encostei-a ao peito para que ela não caísse, simples apoio nessa primeira vez. Gostei desse calor e acredito que ela também. Dias depois, quando abriu os olhinhos, olhou-me fundamente: escolheu-me para dono. Pior: me aceitou.
Foram 13 anos de chamego e encanto. Dormimos muitas noites juntos, a patinha dela em cima do meu ombro. Tinha medo de vento. O que fazer contra o vento?


Amá-la – foi a resposta e também acredito que ela entendeu isso. Formamos, ela e eu, uma dupla dinâmica contra as ciladas que se armam. E também contra aqueles que não aceitam os que se amam. Quando meu pai morreu ela se chegou, solidária, encostou sua cabeça em meus joelhos, não exigiu a minha festa, não queria disputar espaço, ser maior do que a minha tristeza.


Tendo-a ao meu lado, eu perdi o medo do mundo e do vento. E ela teve uma ninhada de nove filhotes, escolhi uma de suas filhinhas e nossa dupla ficou mais dupla porque passamos a ser três. E passeávamos pela Lagoa, com a idade ela adquiriu “fumos fidalgos”, como o Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era uma lady, uma rainha de Sabá numa liteira inundada de sol e transportada por súditos imaginários.


No sábado, olhando-me nos olhos, co seus olhinhos cor de mel, bonita como nunca, mais que amada de todas, deixou que eu a beijasse chorando. Talvez ela tenha compreendido. Bem maios do que minha mão, bem maior do que o meu peito, levei-a até o fim.


Eu me considerava um profissional decente. Até semana passada, houvesse o que houvesse, procurava cumprir o dever dentro de minhas limitações. Não foi possível chegar ao gabinete onde, quietinha, deitada a meus pés, esperava que eu acabasse a crônica para ficar com ela.


Até o último momento, olhou para mim, me escolhendo e me aceitando. Levei-a, em meus braços, apoiada em meu peito. Apertei- a com força, sabendo que ela seria maior do que a saudade ( Folha de S. Paulo).


Trecho do livro de Muniz Sodré: "A Narração do Fato" - Editora Vozes

Lya Luft fala sobre seu novo livro


Trecho da entrevista publicada na Livraria da Folha de Junho/2010

Múltipla Escolha – Lya Luft



Livraria: Você cita que algumas mulheres parecem sem idade e que todos estão imobilizados. Não reconhece mais o tempo em quê?
Luft: Em um tempo em que podemos viver com mais qualidade de vida, contraditórios como somos, vivemos a obsessão da eterna juventude. Encaramos a passagem do tempo como deterioração, não como crescimento e expansão, pois temos diante de nós o físico, não mental, emocional, espiritual e cultural. Nessa visão pobre, queremos estacionar no tempo, sem ver que isso é estagnar internamente. Preferimos a expansão à mutilação.


Livraria: A múltipla escolha não é mais utilizada no dia a dia por conforto ou por medo da realidade?
Luft: Preferimos não ter de escolher. Para escolher, teríamos de discernir. Para discernir, teríamos de pensar. Então seguimos a manada, infantilizados e superficiais. Talvez sem maiores angústias, mas certamente sem maiores prazeres, conquistas, êxtases e alegrias.